As estratégias que prometem ajudar a ter ‘força de vontade infinita’
Muitas pessoas acreditam que a força de vontade é fixa e finita. Mas podemos fazê-la crescer com a ajuda de diversas estratégias poderosas. Muitas pessoas acreditam que a força de vontade é fixa e finita. Mas podemos fazê-la crescer com a ajuda de diversas estratégias poderosas
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Todos nós enfrentamos dias difíceis que parecem surgir para testar o nosso autocontrole.
Digamos que você seja um barista, por exemplo, e alguns de seus clientes são particularmente grosseiros e exigentes, mas você consegue manter a elegância ao atendê-los.
Ou você pode estar terminando um projeto importante e precisa ficar concentrado em silêncio, sem desviar sua atenção e sem distrações.
Se você estiver de dieta, talvez você tenha passado as últimas horas resistindo ao pote de biscoitos.
Em cada um desses casos, você fez uso da sua força de vontade – a capacidade de evitar tentações de curto prazo e ignorar pensamentos, impulsos ou sentimentos indesejados, como definem os psicólogos.
Aparentemente, algumas pessoas têm reservas de força de vontade muito maiores do que outras. Elas têm mais facilidade de controlar suas emoções, evitar a procrastinação e permanecer fiéis aos seus objetivos, sempre parecendo controlar com mão de ferro o seu comportamento.
De fato, talvez você conheça alguns sortudos que, depois de um dia de trabalho duro, ainda encontram motivação para fazer algo produtivo, como exercícios físicos.
Nossas reservas de autocontrole e concentração mental são aparentemente moldadas pela mentalidade.
E estudos recentes sugerem estratégias poderosas para que qualquer pessoa consiga aumentar sua força de vontade, com imensos benefícios para a produtividade, saúde e felicidade.
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Esvaziar o ego
Até pouco tempo atrás, a teoria psicológica predominante afirmava que a força de vontade seria como uma espécie de bateria.
Você pode começar o dia com carga total, mas, sempre que precisa controlar seus pensamentos, comportamentos ou sentimentos, você gasta um pouco da energia daquela bateria.
Sem a possibilidade de descansar e recarregar, esses recursos ficam perigosamente baixos, dificultando muito manter sua paciência, concentração e resistência às tentações.
Testes de laboratório aparentemente forneceram provas deste processo. Depois de pedir aos participantes que resistissem à tentação de comer biscoitos mantidos sobre uma mesa, por exemplo, eles exibiam menos persistência para resolver um problema matemático, pois suas reservas de força de vontade haviam se esgotado.
Partindo do termo freudiano que designa a parte da mente que é responsável por controlar nossos impulsos, este processo é conhecido como “esgotamento do ego”.
As pessoas com forte autocontrole podem ter maiores reservas iniciais de força de vontade, mas até elas acabam se esgotando quando colocadas sob pressão.
Mas, em 2010, a psicóloga Veronika Job publicou um estudo questionando as bases desta teoria. Ela apresentou evidências fascinantes de que o esgotamento do ego depende das crenças subjacentes das pessoas.
Job é professora de psicologia da motivação da Universidade de Viena, na Áustria. Ela começou o estudo elaborando um questionário para que os participantes avaliassem uma série de afirmações, seguindo uma escala de 1 (concordo totalmente) a 6 (discordo totalmente). As questões incluíram:
• Quando as situações que desafiam você com tentações se acumulam, fica cada vez mais difícil resistir a essas tentações.
• A atividade mental intensa esgota os seus recursos e você precisa reabastecer-se em seguida.
• Quando você acaba de resistir a uma forte tentação, você se sente fortalecido e pode suportar novas tentações.
• Sua resistência mental alimenta a si própria. Mesmo depois de um esforço mental extenuante, você consegue continuar fazendo mais.
Se você se identifica mais com as duas primeiras afirmações, considera-se que você tem uma visão “limitada” da força de vontade. Mas, se você concorda mais com as duas últimas afirmações, sua visão da força de vontade é considerada “ilimitada”.
Em seguida, Job forneceu aos participantes do estudo alguns testes padrão de laboratório para examinar sua concentração mental, considerando que a concentração depende das nossas reservas de força de vontade.
Job concluiu que o desempenho das pessoas com mentalidade limitada costuma ser exatamente igual ao que seria previsto pela teoria do esgotamento do ego.
Depois de realizarem uma tarefa que exigia intensa concentração (como a correção trabalhosa de um texto maçante), elas acharam muito mais difícil prestar atenção em uma atividade subsequente do que se tivessem descansado antes.
Já as pessoas com visão ilimitada não demonstravam sinais de esgotamento do ego. Elas não exibiam declínio da sua concentração mental depois de realizarem uma atividade mentalmente exaustiva.
Aparentemente, a mentalidade dos participantes do estudo sobre a força de vontade era uma profecia autorrealizável. Se eles acreditassem que sua força de vontade se esgotava facilmente, sua capacidade de resistir a tentações e distrações se dissolvia com rapidez. Mas, se eles acreditassem que “a resistência mental se autoalimenta”, era exatamente o que acontecia.
Job rapidamente reproduziu estes resultados em outros contextos. Trabalhando em conjunto com Krishna Savani, da Universidade Tecnológica Nanyang, em Singapura, ela demonstrou que as crenças sobre a força de vontade aparentemente variam de um país para outro.
Eles concluíram que a mentalidade ilimitada é mais comum entre estudantes indianos do que nos Estados Unidos, o que foi refletido em exames da resistência mental.
Nos últimos anos, alguns cientistas questionaram a confiabilidade dos testes de laboratório de esgotamento do ego. Mas Job também demonstrou que a mentalidade das pessoas sobre a força de vontade apresenta relação com muitos cenários da vida real.
Ela pediu a estudantes universitários que preenchessem questionários sobre suas atividades, duas vezes por dia, ao longo de dois períodos semanais não consecutivos. E, como se poderia esperar, alguns dias eram muito mais difíceis do que outros, gerando sentimentos de exaustão.
A maioria dos participantes recuperava-se até certo ponto durante a noite, mas os que tinham mentalidade ilimitada realmente verificavam aumento da sua produtividade no dia seguinte, como se tivessem sido energizados pelo aumento da pressão.
Novamente, parece que sua crença de que “a resistência mental alimenta a si própria” havia se tornado sua realidade.
Outros estudos demonstraram que a mentalidade sobre a força de vontade pode prever os níveis de procrastinação dos estudantes antes dos exames e suas notas finais.
Os participantes com visão ilimitada desperdiçavam menos tempo. E, ao enfrentar a alta pressão das suas aulas, os estudantes com visão ilimitada também apresentaram melhor capacidade de manter o autocontrole em outras áreas da vida. Eles demonstravam menos propensão a comer bobagens ou gastar por impulso, por exemplo.
Já os que acreditavam que sua força de vontade se esgotava facilmente com seu trabalho eram mais propensos a cometer esses vícios, talvez porque sentissem que suas reservas de autocontrole já haviam sido esgotadas pelo trabalho acadêmico.
A influência da mentalidade sobre a força de vontade também pode estender-se a muitos domínios, como os exercícios físicos.
Navin Kaushal, professor de ciências da saúde da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, e seus colegas demonstraram que a mentalidade pode influenciar os hábitos de exercícios das pessoas.
Aquelas que têm crenças ilimitadas sobre a força de vontade, por exemplo, têm mais facilidade de reunir a motivação para exercitar-se.
E um estudo da professora de psicologia Zoë Francis, da Universidade de Fraser Valley, no Canadá, chegou a resultados surpreendentemente similares.
Depois de acompanhar mais de 300 participantes ao longo de três semanas, ela concluiu que pessoas com mentalidade ilimitada apresentam maior disposição para exercitar-se e menos propensão a comer bobagens do que as pessoas com mentalidade limitada.
É algo revelador que essas diferenças sejam particularmente pronunciadas à noite, quando as exigências das tarefas diárias começaram a cobrar a conta daqueles que acreditam que seu autocontrole pode esgotar-se facilmente.
Como aumentar a força de vontade
Se você já tiver mentalidade ilimitada sobre a força de vontade, estas conclusões podem deixar você satisfeito. Mas o que podemos fazer se vivemos acreditando que nossas reservas de autocontrole se esgotam facilmente?
Os estudos de Job indicam que simplesmente aprender sobre estes estudos científicos de ponta, lendo textos curtos e acessíveis, pode ajudar a mudar a crença das pessoas, pelo menos no curto prazo.
Aparentemente, conhecimento é poder. Se isso for verdade, a simples leitura desta reportagem pode já ter começado a fortalecer sua resistência mental.
Você pode acelerar este processo contando a outras pessoas o que você aprendeu. Pesquisas indicam que compartilhar informações ajuda a consolidar a nossa própria mudança de mentalidade. Este fenômeno é conhecido como o efeito “falar é acreditar” e também ajuda a disseminar o comportamento positivo entre as pessoas.
As lições sobre a natureza ilimitada da força de vontade podem ser aprendidas desde a infância.
Pesquisadores da Universidade Stanford e da Universidade da Pensilvânia, ambas nos Estados Unidos, elaboraram recentemente um livro infantil para ensinar às crianças em idade pré-escolar a ideia de que exercitar a força de vontade pode ser energizante, e não exaustivo, e que o autocontrole pode aumentar quanto mais o praticarmos.
As crianças que ouviram a história demonstraram maior autocontrole em um teste de “gratificação postergada” que foi aplicado em seguida, em comparação com seus colegas que haviam ouvido uma história diferente.
O teste ofereceu a elas a possibilidade de dispensar um pequeno presente no momento para receber um brinde maior posteriormente.
Uma estratégia útil para mudar sua mentalidade pode ser relembrar uma ocasião em que você trabalhou em uma tarefa mentalmente desgastante pelo puro prazer da atividade.
Pode ter sido uma tarefa no trabalho, por exemplo, que outras pessoas aparentemente achavam difícil, mas que você achou gratificante. Ou, talvez, um hobby, como aprender uma nova música no piano, que exige intensa concentração, mas parece simples para você.
Um estudo recente concluiu que praticar este tipo de recordação altera naturalmente as crenças das pessoas em direção à mentalidade ilimitada, já que elas conseguem ver provas da sua própria resistência mental.
Para obter mais evidências, você pode começar com pequenos testes de autocontrole que tragam uma mudança desejada na sua vida – como evitar comer bobagens por duas semanas, afastar-se das redes sociais durante o trabalho ou demonstrar mais paciência com um ente querido irritante, por exemplo.
Depois de provar a si próprio que a sua força de vontade pode aumentar, pode ficar mais fácil resistir a outros tipos de tentação ou distrações.
Você não pode esperar que aconteça um milagre imediatamente. Mas, com perseverança, você deve observar sua mudança de mentalidade e, com ela, o aumento da capacidade de controlar seus pensamentos, sensações e comportamento. Assim, suas ações irão impulsionar você rumo aos seus objetivos.
* David Robson é escritor de ciências e autor do livro O efeito da expectativa: como o seu pensamento pode transformar sua vida (em tradução livre do inglês), publicado no Reino Unido pela editora Canongate e, nos EUA, pela Henry Holt. Sua conta no Twitter é @d_a_robson.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.