Como enchentes no Rio Grande do Sul prejudicam a produção de carros no país

Volkswagen informou que pode adotar um período de férias coletivas ainda neste mês em três fábricas do país por conta de impactos provocados pela tragédia do RS. Vista aérea das enchentes em Eldorado do Sul, Rio Grande do Sul, tirada em 9 de maio
GETTY IMAGES
Além de provocar mortes e estragos, as chuvas e enchentes que têm afetado o Rio Grande do Sul neste mês começam a causar consequências em diversos setores que movimentam a economia de todo o país.
➡️ Até esta terça-feira (14), a Defesa Civil do RS já havia confirmado ao menos 149 mortes por conta dos temporais. Há ainda mais de 120 desaparecidos e 2,1 milhões de pessoas afetadas pela tragédia.
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No mercado automotivo, por exemplo, algumas montadoras do país já têm previsto a adoção de medidas por conta dos impactos da tragédia. Com a paralisação nas montadoras, uma das principais consequências está na produção de carros no país.
A Volkswagen informou nesta segunda-feira (13) que pode adotar um período de férias coletivas ainda neste mês em três fábricas do país: São Bernardo do Campo (SP), Taubaté (SP) e São Carlos (SP) – leia mais detalhes aqui.
Fábrica da Volkswagen em Taubaté
Volkswagen/Divulgação
A empresa afirma que “em função das fortes chuvas que acometem o estado do Rio Grande do Sul e o povo gaúcho, alguns fornecedores de peças da Volkswagen do Brasil, com fábricas instaladas no estado, estão impossibilitados de produzir nesse momento”.
Outra montadora com fábrica no Brasil, a Stellantis – dona das marcas Citroën, Fiat, Jeep e Peugeot – informou que precisou paralisar pontualmente a produção em Córdoba, na Argentina, mas que “segue analisando a necessidade de novas paradas em suas unidades” na região do Rio Grande do Sul.
A montadora explica que a medida foi motivada pelo “impacto sem precedentes da catástrofe em todo o sistema logístico de transporte e fornecimento de componentes”.
Fábrica da Stellantis no Brasil
Divulgação/Stellantis
Além disso, a empresa cita uma “paralisação do órgão responsável pela emissão das licenças ambientais exigidas pela legislação vigente”.
A Toyota, outra montadora que tem sede no Brasil, disse que parte dos veículos dos modelos Toyota Hilux e Toyota SW4 que foram importados da Argentina e armazenados no Centro de Distribuição da Toyota localizado em Guaíba (RS) foram danificados pela enchente.
Como medida preventiva para evitar atrasos aos clientes, a fabricante vai temporariamente alterar o destino dos embarques de seus produtos produzidos na Argentina do centro de Guaíba (RS) para Vitória (ES). Com isso, na próxima semana os carros serão embarcados por via marítima para o porto de Vitória.
Apesar da situação, a previsão é que o Centro de Distribuição da fábrica localizado em Guaíba (RS) volte a operar normalmente nesta quarta-feira (15).
Fábrica da Toyota em Sorocaba (SP)
Divulgação; Revista AutoEsporte
Professora da FGV, a economista Carla Beni explica que uma catástrofe da dimensão da que atinge o RS prejudica todo o país. Segundo ela, a economia brasileira está interconectada e o problema pode afetar toda a cadeia.
“Quando você tem um estado com um problema dessa intensidade, as cadeias produtivas estão interconectadas. Pode ser setor automotivo, alimentício… você tem interconexão entre as cadeias produtivas, porque não só a produção local é um problema, mas a questão da logística é um grande problema”, afirma.
Enchente em Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, em 9 de maio de 2024
Carlos FABAL / AFP
Ainda de acordo com a especialista, as paralisações nas fabricantes de carros são uma forma de reestruturação econômica e ainda não ameaçam o mercado de trabalho, já que não é possível mensurar o impacto total das enchentes do Rio Grande do Sul.
“Vários segmentos da cadeia produtiva do país vão ter que ser restruturados para que dê tempo de refazer o estado do Rio Grande do Sul, digamos assim, para gente poder normalizar essa cadeia. Mas ainda é muito difícil de pensar um prazo em relação a isso”, diz Beni.
Fábrica da Volkswagen em Taubaté.
Reprodução/ TV Vanguarda
Para Antônio Jorge Martins, especialista em mercado automotivo e professor da área na FGV, a Volkswagen, que tem fornecedores de peças no Rio Grande do Sul, pode ter maiores impactos na produção a curto e médio prazo. Ele acredita que a paralisação da produção da montadora pode até mesmo abrir espaço para o crescimento de concorrentes chineses, por exemplo.
“Eu vejo de consequências no curto prazo exatamente a falta de produtos da marca Volkswagen no mercado automotivo, quando a sua demanda neste corrente ano de 2024 vem superando a demanda de 2023, ou seja, na medida em que existe exatamente uma demanda de carros e você paralisa uma produção, você acaba tendo a indisponibilidade de produto para vender e, com isso, afeta um volume total projetado para o ano corrente”, disse.
“De médio prazo, eu diria que existe sim uma outra consequência, que é o fato de que você, ao não disponibilizar um certo volume de produção no corrente momento, abrir espaço para os demais concorrentes poderem alavancar seus produtos e, eventualmente, tentarem até alcançar esse volume de produção que deixou de ser ofertado nesse período. As fábricas chinesas estão com um apetite muito grande de se utilizarem desse artifício para fortalecerem as suas respectivas marcas no mercado brasileiro”, argumentou.
Morador de Lajeado, no Rio Grande do Sul.
Fábio Tito/g1
Ainda segundo o professor, a Volkswagen deve ser a montadora mais impactada pela tragédia climática no sul, podendo até perder participação no mercado nacional com a paralisação da produção, mesmo que temporariamente.
“De uma forma geral, eu diria que o impacto é representativo mais para algumas empresas do que para outras, ou seja, não necessariamente o fato desse problema ter acontecido com a Volkswagen vai acontecer com outra montadora, que muitas vezes não tem nem fornecimento de autopeças provenientes de Porto Alegre ou de regiões fronteiriças, e, com isso, de uma forma geral, eu diria que a tragédia acaba sendo muito focalizada naquela que realmente possui uma representatividade muito grande de fornecimento naquela região”, ponderou.
“Eu não sei dizer para a Volkswagen qual é o peso do estado dentro do fornecimento total, mas, de qualquer forma, eu diria que deve ser um peso grande, porque para você paralisar a produção no atual momento de mercado, você acaba perdendo participação no mercado nacional”, avaliou.
No entanto, Martins avalia que a pausa poderá ser útil se aproveitada pelos líderes da montadora que estão de fora da produção, podendo ser um momento estratégico para a empresa repensar seus produtos.
“Essas paralisações muitas vezes são até úteis para você conseguir adequar a produção a um novo nível. A gente não sabe quanto tempo vai ficar paralisada, mas, de qualquer forma, você consegue, com essas paralisações, dependendo do momento, até adequar a produção a um novo ritmo produtivo de acordo com a demanda que está acontecendo”, finalizou.
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