Especialista desenvolveu técnica para uma conversa livre que não dependa da memória em declínio – Lembra daquelas férias quando a família toda alugou uma casa na praia?
– Você sabe quem eu sou?
Essas são tentativas bem comuns para estabelecer algum tipo de diálogo com uma pessoa com demência. E com uma boa chance de o resultado trazer, no mínimo, decepção. Quem faz as perguntas busca criar uma ponte com o ente querido mas, diante da falta de comunicação, sente que ele se encontra cada vez mais distante. Para o idoso ou idosa, a incapacidade de utilizar seu repertório de lembranças é fonte de angústia. Mas, e se o roteiro da conversa fosse totalmente diferente?
Anne Basting, fundadora da Time Slips: nova abordagem para familiares e profissionais que lidam com portadores de demência
Divulgação
Esse é o projeto de vida de Anne Basting, professora de inglês da Universidade de Wisconsin Milwaukee e autora de quatro livros, entre eles “Creative care: a revolutionary approach to dementia and elder care” (“Cuidado criativo: uma abordagem revolucionária para a demência e o cuidado com idosos”). É também fundadora da Time Slips, organização que treina um outro tipo de abordagem para familiares e profissionais que lidam com portadores de demência. Recentemente, num podcast gravado para o jornal “The New York Times”, declarou:
“Temos que criar um mundo capaz de acomodar, acolher e até celebrar as pessoas que enfrentam a demência”.
E como funciona essa abordagem de aproximação? Através de uma conversa livre que não dependa da memória em declínio. Basting já pesquisava sobre grupos de teatro compostos por idosos, mas quis ampliar seu campo de estudos: como seria exercitar a criatividade em instituições de longa permanência, numa situação de comprometimento cognitivo? Tornou-se voluntária e lembra que foi uma experiência traumatizante:
“As TVs ficavam a todo volume, os pacientes estavam contidos quimicamente, ou seja, sedados. Um lugar onde ninguém gostaria de estar, nem os que lá viviam ou trabalhavam”.
Passou a se reunir com um grupo de idosos em encontros semanais, sem sucesso. Até que, um dia, mostrou uma imagem recortada de uma revista e propôs um jogo aos participantes: que nome dariam para o homem que aparecia na foto? Que lugar era esse onde ele estava? De repente, alguém começou a cantar uma música e foi seguido pelos demais. “Foram 40 minutos de cantoria e risadas, de pura felicidade”, lembra a autora. A proposta foi repetida à exaustão em diversos contextos, sempre com bons resultados, e a levou a desenvolver um método:
“Eu pensava: posso treinar cuidadores familiares e profissionais para fazer isso? É ao que venho me dedicando há 20 anos: estabelecer uma conexão com alguém que se considerava perdido. Basta se permitir entrar na realidade onde a pessoa está agora. É difícil, é triste, é emocionante”.
Os dois lados saem ganhando quando se estabelece um elo de comunicação: para o paciente, o humor e a qualidade de vida melhoram; para quem cuida, há maior satisfação e engajamento com o trabalho – para a família, é possível ter uma visão diferente da doença. Atualmente Basting vive o papel de cuidadora da mãe, que há cinco anos apresentou os primeiros sinais de declínio cognitivo, e põe em prática a técnica que desenvolveu:
“Não existe cuidado de qualidade quando isolamos a pessoa com demência”.

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