Especialistas afirmam ao G1 que é preciso reconhecer que as relações humanas implicam em tensões e que discordar de pontos de vista não significa brigar com o familiar. Imagens de famílias felizes nem sempre mostram a tensão do convívio; especialistas destacam que é importante ter em mente que discordar não é brigar
Tyler Nix/Unsplash
O reencontro entre familiares e amigos nas festas de fim de ano guarda uma tensão a mais em 2019: como refazer laços após as brigas do ano passado, causadas por divergências de valores e posições políticas? Para alguns grupos familiares que se reúnem apenas uma vez ao ano, esta pode ser a chance de desfazer mal-entendidos. Mas é preciso estar preparado.
O G1 ouviu especialistas para saber quais são as dicas sobre como evitar novos conflitos e refazer laços. Confira:
Reconheça as diferenças
Saber que o seu familiar é outra pessoa, com vivência e valores diferentes, é um dos pontos levantados pelo psicólogo clínico José Alberto Roza Júnior. O conceito pode parecer simples mas, na prática, esconde a base da maioria dos conflitos.
“As pessoas querem que os outros pensem como elas. Se a gente vai para uma conversa, sem respeitar que o outro tem um ponto de vista diferente, não há diálogo” – José Alberto Roza Júnior, psicólogo.
“As festas de fim de ano não são festas com os amigos. Elas costumam reunir parentes que não convivem diariamente, então o ideal é falar de assuntos mais amenos e respeitar o que o outro diz. Não é hora de convencê-lo do contrário”, diz.
Discordar não é brigar
“As relações humanas implicam em tensões”, afirma o psiquiatra Daniel Barros, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Para ele, é importante ir à festa sabendo que pode haver conflito.
“Pode parecer paradoxal [pensar no conflito], porque nesta época do ano a gente só quer paz e harmonia. Mas, se você achar que será tudo às mil maravilhas e surgir uma tensão, você pode ser pego de surpresa e não reagir bem”, afirma.
“Essa é a grande vantagem de já ter tido discussões no ano passado. Você não precisa mais marcar seu ponto de vista, tudo mundo já sabe. Às vezes, a paz vem quando a gente concorda em discordar” – Daniel Barros, psiquiatra
A psicopedagoga da Escola de Inteligência Maria Rita Grandi Gullo destaca que, por trás de uma discussão, há sempre um motivo além daquele que está sendo dito.
“Por trás de alguém que fere, sempre tem alguém ferido. Tente entender por que essa pessoa está fazendo tanto barulho, e construa mais pontes [entre os familiares] e menos muros [que os distanciem]”, diz.
Não tente convencer o outro
Daniel Barros alerta para o risco de tentar convencer o familiar sobre o seu ponto de vista. “Às vezes a gente pensa que o outro só não concorda porque não te entendeu. Mas o outro pensa igual sobre você. E, nessas conversas, o tom sobe”, afirma Barros.
“Se a gente pensar que todo mundo já entendeu e só não concordou, o conflito acaba” – Daniel Barros, psiquiatra
Outro modo de gerenciar o conflito é pensar que toda ação é reflexo de uma necessidade, de algo que a pessoa quer preservar.
Discussões sobre direitos humanos e segurança, por exemplo, podem ser sobre valores como justiça, equidade e equilíbrio e sobre manter a ordem e a coerência, afirma Liliane Sant’Anna, co-fundadora do Instituto Comunicação Não-Violenta (CNV) Brasil.
“Isso tira a imagem de vilão e traz de volta ao familiar a imagem de uma pessoa que quer preservar algumas coisas. O que e o como podem ser diferentes, mas nas ‘necessidades’, não há conflito”, relata.
Observe, fale, conte sua necessidade, faça um pedido
Liliane Sant’Anna, co-fundadora do CNV Brasil, e a psicopedagoga da Escola de Inteligência Maria Rita Grandi Gullo sugerem um roteiro da teoria da comunicação não-violenta para escapar de conflitos:
Observe sem julgar: é importante ouvir a opinião do familiar sem julgamento de valores, tendo em mente que cada pessoa tem uma história, um passado, e um repertório de informação e educação diferentes. Neste momento, é importante refletir se vale a pena entrar em uma discussão e calcular os prós e contras da situação.
Fale como se sente: caso tenha algum ponto de tensão, fale o que incomodou: se foi uma opinião política ou uma briga por motivos familiares, explique como aquilo causa impacto em você.
Conte sua necessidade: ao dizer como se sente, fale também sobre o que você precisa para que os conflitos não apareçam novamente. Se é uma questão familiar, como em relação ao cuidado com os mais idosos, proponha uma reflexão em conjunto sobre o que cada familiar precisa para dar atenção àquele parente que inspira cuidados.
Faça um pedido: chegue a um acordo com o seu familiar sobre os passos seguintes. Ao reconhecer como se sentiu e quais as suas necessidades, peça para que haja alguma mudança para que o caso não se repita no futuro.
E se não der certo?
Se, após ler estas dicas, você não se sentir disposto a restaurar relações com algum familiar, não se sinta obrigado. A psicóloga Juliana Bonetti Simão destaca que há relações que são difíceis e não se resolvem em um encontro de fim de ano.
“Se você acreditar que não dá, que é um vínculo muito difícil – até porque muitas relações familiares são tóxicas –, se respeite. Está tudo bem não ter que se dar bem com todo mundo” – Juliana Bonetti Simão
Outro ponto, lembra Liliane Sant’Anna, do CNV Brasil, é saber exatamente o que está em jogo neste encontro familiar.
“Quando não dá para manter a conexão, temos que pensar o que queremos preservar – a harmonia, a paz, o bem estar – e escolher. Você pode mudar de grupinho na roda de família, ou escolher meditar. Buscar estratégias que te liguem ao que você valoriza” – Liliane Sant’Anna, co-fundadora do Instituto CNV Brasil
VÍDEOS SOBRE RAIVA E PERDÃO
O programa Bem Estar fez algumas reportagens sobre os temas. Nos vídeos de arquivo, abaixo, é possível rever os conteúdos. Confira:
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Como a raiva afeta a nossa saúde?
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