Betelgeuse: a estrela que se apaga

bete00: Betelegeuse na constelação do Órion
ESO
Betelgeuse é uma das estrelas mais brilhantes do céu, mas está se apagando. Um comportamento previsível, mas cada vez mais estranho!
Você sabe que toda estrela tem um ‘ciclo de vida’, por assim dizer. De um modo geral, elas se formam a partir de uma nuvem de gás e poeira que se contrai, começa a gerar energia a partir da fusão do hidrogênio em hélio. Quando o suprimento de hidrogênio no núcleo acaba, a estrela começa sua trajetória final de vida que depende muito de quanta massa ela tinha.
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Se for pouca massa, como o Sol, ela fatalmente vira uma gigante vermelha para depois formar uma nebulosa planetária com uma anã branca em seu centro. Já se a estrela tiver tipo mais de 10 vezes a massa do Sol, ela explode como uma supernova deixando em seu lugar uma estrela de nêutrons ou até mesmo um buraco negro.
Betelgeuse está no segundo caso.
Nuvens de gás ejetadas por Betelgeuse
ESO/VLT/Kervella
Se você já viu as 3 Marias numa noite de verão, principalmente, já viu Betelgeuse. Ela faz parte da constelação do Órion, que as 3 Marias fazem o cinturão, e ocupa o lugar honroso do sovaco do caçador. No caso, o sovaco mais alaranjado. O outro que é mais azulado corresponde à estrela Bellatrix.
Betelgeuse tem quase 12 vezes a massa do Sol e um raio de quase mil vezes o raio solar, fazendo dela uma supergigante vermelha fria com 3.600 K de temperatura. Os modelos indicam que a estrela tem entre 8 e 8,5 milhões de anos, o que também nos informa que ela está no fim de sua vida. Mas afinal quão próximo do fim?
De novo, de acordo com os modelos, espera-se que uma estrela desse tipo sofra pulsações lentas quando estiver se encaminhando para explodir em supernova fazendo seu brilho variar de forma quase periódica. Isso tem a ver com reajustes de seu equilíbrio interno, quando o peso das camadas externas tenta se equilibrar com a pressão gerada pelas altas temperaturas das camadas internas. Esse ajuste faz com que a estrela pulse, se expandindo e contraindo, o que faz sua temperatura variar. Se sua temperatura varia, seu brilho também varia.
A gravidade nas camadas mais exteriores de uma supergigante é relativamente baixa. Cada vez que uma estrela dessas pulsa, deixa para trás nuvens e bolhas de gás que se esfriam rapidamente. Betelgeuse está nesta fase.
As variações de brilho previstas na teoria têm sido observadas há décadas, mas na última noite a estrela ultrapassou magnitude 1,5 podendo ter chegado a mais de 2! Qualquer um dos valores representa o brilho mais baixo medido desde que os registros começaram! Isso corresponde a mais de 100 anos de observações diárias.
Disco de Betelegeuse em comparação com o Sistema Solar
ALMA/Gorman/Kervella
A isso tudo, somam-se as imagens de alta resolução que mostram nuvens e bolhas de gás ao redor da estrela. Betelgeuse é muito grande (se estivesse no Sistema Solar ela ocuparia a órbita de Júpiter) e está a apenas 700 anos luz. Essa combinação faz com que os melhores telescópios consigam enxergar seu disco. É a única estrela em que isso é possível, tirando o Sol, claro.
Betelgeuse está seguindo o script de estrela moribunda direitinho, variações de brilhos esperadas, ainda que exageradas, e com ejeção de matéria. Mas será que ela vai explodir mesmo? A resposta é sim, vai. A questão é quando.
Os modelos mostram que ela vai explodir a qualquer momento dentro dos próximos 100 mil anos, que é um tempo gigante para nós humanos, mas em termos de supergigante é muito pouco. Lembre-se, Betelgeuse já viveu mais de 8 milhões de anos, 100 mil anos é menos do que 1,5% deste tempo. Em escalas humanas seria como dizer algo como ter uma expectativa de vida de menos de um ano e meio.
E olha, de repente já até aconteceu e a gente ainda não sabe! Como a distância entre a Terra e a estrela é de 700 anos luz, se ela explodiu depois de 1321, a luz da explosão ainda está a caminho. É improvável, mas vai saber…
Para adicionar mais uma pitada de emoção, também ontem, o observatório de ondas gravitacionais LIGO reportou a detecção de um pulso de ondas de origem desconhecida. Origem desconhecida no sentido em que o sinal não corresponde a nenhum dos milhares de modelos teóricos calculados para eventos conhecidos, como colisão de estrelas de nêutrons ou entre buracos negros.
Explosões de supernovas também geram ondas gravitacionais, e eu imagino que os modelos correspondentes estejam disponíveis, mas o que parece o sinal foi muito fraco para uma análise mais profunda. Ao menos até agora, quem sabe mais tarde o LIGO se pronuncie de forma diferente. O que deixa a coisa mais interessante é que a região do céu que corresponde à origem do sinal, com 95% de confiança, é onde está Betelgeuse… Será?
Curva de luz de Betelguse nos últimos 40 anos
AAVSO/C. Barbosa
Não creio, a explosão de Betelgeuse seria um evento muito mais proeminente nos dados do LIGO, mas pode ser que o sinal tenha relação com algum processo ligado aos momentos finais de vida. Ou pode ser que não tenha nada a ver e a coincidência de posição tenha sido uma trolada monstro do universo. Pelo sim, pelo não, eu fui atrás das câmeras que monitoram o céu em observatório do outro lado do mundo, onde ainda é noite e está tudo encoberto!
Eu secretamente torço para a explosão acontecer nos próximos meses, afinal uma supernova na Via Láctea é um evento raríssimo e por estar tão perto, o show seria inesquecível. É bem provável que seria possível ver a estrela até mesmo de dia e durante a noite, se não houver Lua, seu brilho intenso seria capaz de projetar sombras. A última vez que uma supernova na nossa galáxia explodiu se tornando brilhante o suficiente para ser facilmente observada a olho nu foi em 1604. O evento foi observado por Kepler e sua progenitora estava a 14 mil anos luz.
Existe uma piada entre os astrônomos que diz o motivo para não ter havido outra supernova tão brilhante desde então, é que desde 1604 não nasceu nenhum outro astrônomo tão bom quanto Kepler. Mais um motivo para eu torcer a favor da explosão!
Se você está preocupado com possíveis efeitos nocivos da explosão, pode ficar tranquilo. Nós estamos mesmo muito perto de Betelgeuse, mas distante o suficiente para não sofrer nenhum dano. Nem pela radiação, nem pela onda de choque. Infelizmente, o mesmo não se pode afirmar para os mais de 20 sistemas estelares próximos da estrela.
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