Trabalhadores ouvidos pelo g1 relatam que, apesar da importância da atividade, há baixa remuneração. Eles ajudam pessoas cegas, autistas ou com outras condições que exijam suporte durante a prova. Mariana Dias Barreira, que mora em Vinhedo (SP), é intérprete de Libras e já trabalhou na aplicação do Enem
Arquivo Pessoal
Para pessoas com deficiência, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é um desafio que vai além do conteúdo e das questões.
A estrutura de aplicação, com provas escritas, pode ser uma barreira para cegos, surdos ou pessoas com neurodiversidades como autismo, déficit de atenção e dislexia. É por isso que, desde 2000, é possível pedir apoio na hora da avaliação.
Além de adaptações prediais, o inscrito pode contar com pessoas que auxiliam em leitura, transcrição e comunicação com colaboradores envolvidos no exame. Mas, quem são esses profissionais?🙍🏽‍♀️
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Para entender os desafios e processos do trabalho de ledores, transcritores e intérpretes de prova, o g1 conversou com especialistas de inclusão que já atuaram na aplicação de vestibulares e concursos. A baixa remuneração e o preconceito são entraves apontados por esses profissionais.
🙋🏽‍♀️ Nessa reportagem você vai conferir:
O que é o atendimento de profissional especializado no Enem?
Os profissionais de apoio fazem a prova para o candidato?
O que é preciso para trabalhar nessa função?
Como solicitar atendimento especializado no Enem?
O que é o atendimento de profissional especializado
Pessoas cegas podem fazer o Enem? Como um estudante com déficit de atenção se concentra para ler a prova? Um candidato sem movimento das mãos pode escrever a redação? Para todas essas perguntas, a resposta está no atendimento de profissional especializado.
No Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e em outros vestibulares, esse especialista dá suporte a pessoas com deficiências física ou intelectual, auditiva, visual, dislexia, TDAH, autismo, entre outras, garantindo o pleno acesso ao conteúdo da prova.
♿ Para isso, atua de forma remunerada nas seguintes funções:
Ledor: profissional capacitado para realizar a leitura de textos;
Transcritor: profissional capacitado para transcrever as respostas das provas objetivas e da redação;
Guia intérprete para surdo cego: profissional capacitado para mediar a interação entre o participante surdocego, a prova e os demais colaboradores envolvidos na aplicação do exame;
Leitura labial: profissional capacitado na comunicação oralizada de pessoas com deficiência auditiva ou surdas que não se comunicam por Libras;
Intérprete de Libras: profissional capacitado em Língua Brasileira de Sinais.
Mariana Dias Barreira, que é de Vinhedo (SP) e já fez aplicações do Enem nessas funções, detalha que “o ledor tem a função de mediar a comunicação da pessoa que tem baixa visão, que é totalmente cega ou tem outras condições que afetam a leitura”. Além disso, o profissional também pode ser treinado para descrever imagens.
“Uma pessoa que tem dislexia, déficit de atenção ou TEA também podem precisar de um ledor ou transcritor [para auxiliar a manter concentração e compreender as perguntas]”.
“O transcritor é um pouquinho diferente do ledor, porque ele precisa ser mais específico. Exige todo um cuidado ao transcrever a prova, no caso de um texto, ou de questões abertas, que exigem resolução. Ele tem um cuidado maior para fazer e até para passar para o gabarito de forma fidedigna”, completa a professora.
Profissionais de apoio não fazem a prova para o candidato
Maibí Fernanda Chesi Mascarenhas, professora especializada em educação inclusiva com atuação na Unicamp, prepara outros profissionais interessados na área. Ela ressalta que a acessibilidade na hora da prova varia de acordo com a necessidade, mas que em nenhum momento há intenção de “dar as respostas”.
“Esses profissionais não vão induzir nenhum tipo de resposta. Ele simplesmente faz a leitura como suporte para entendimento da questão ou transcreve”. O objetivo final é, sempre, garantir a equidade entre os candidatos.
“[Esse trabalho] é extremamente importante para garantir a promoção dos direitos humanos, da eliminação de barreira. Essa oferta de profissionais especializados é importante equidade do acesso a todas as pessoas. E, quanto mais profissionais capacitados nós tivermos, melhor será o atendimento oferecido pra esses candidatos”, completa Mariana.
Como ser um desses profissionais
Professora de educação inclusiva na Unicamp, Maibí Fernanda Chesi Mascarenhas já realizou trabalhos como ledora e transcritora
Arquivo Pessoal
🎓 Formação
Para atuar como ledor, transcritor e intérprete em provas ou no ambiente educacional em geral, é necessário ter alguma formação em educação inclusiva – antigamente chamada de educação especial. Entre elas há opções de:
cursos de graduação (como letras e pedagogia);
cursos de pós-graduação para profissionais da educação (com foco em inclusão e pessoas com deficiência);
especializações diversas e de menor duração.
Mariana explica que essas capacitações “atendem a área de surdez, cegueira, baixa visão e tantas outras deficiências. Para trabalhar especificamente com surdos, existe a graduação de letras Libras, que é o português voltado para o ensino da língua Libras como primeira língua. Porém, existe também o curso de educação especial ou educação inclusiva”.
O problema, segundo Maibí, é que faltam instituições e, consequentemente, profissionais preparados para atuar no setor. “Tem uma ausência ainda muito grande, uma quantidade muito abaixo do que o necessário de pessoas formadas. É uma área que ainda não foi naturalizada. Ela existe porque é imposta por obrigação legal, mas existe muito capacitismo”.
Para ela, “há pessoas que minimizam as condições da pessoa com deficiência, que são contra adaptações”, e que não dão a devida importância à acessibilidade.
💼 Trabalhando no Enem
Com as capacitações, é hora de buscar o mercado de trabalho. Para atuar especificamente no Enem, é necessário se inscrever no processo seletivo aberto anualmente pela empresa organizadora da prova. O Inep explica que os candidatos são selecionados conforme o perfil de experiência e a formação exigidos em contrato.
Eles não são voluntários e recebem um valor estabelecido pela empresa, de acordo com a função a ser realizada. Para isso, é necessário curso específico com carga horária mínima e comprovação de experiência anterior na função. O contato para seleção é feito junto a instituição contratada ou pelos coordenadores estaduais em cada unidade da federação.
Remuneração desinteressante
Além do preconceito e da falta de conhecimento sobre a importância desse trabalho, a baixa remuneração é outro fator que afasta os profissionais, afirma Maibí. “Essa é uma ferramenta de acessibilidade para a educação historicamente mal remunerada”, lamenta.
“É algo que ainda é padrão na área, desde o serviço mais básico de monitoria, que vai acompanhar uma criança ou jovem, até mesmo adulto na universidade que pode precisar de alguém. É um profissional mal remunerado, que ainda não tem diretrizes específicas”, completa.
A tradutora e intérprete de Libras Juliana Fernandes de Moraes, que hoje atua no suporte a alunos surdos na pós-graduação da Unicamp, lamenta e afirma que deixou de se candidatar ao processo para atuar no Enem desse ano por conta da remuneração.
“Não sei como essas empresas se baseiam para fazer os preços. Eles querem ledores, transcritores, pessoas que lidem com esse público com deficiência, mas a remuneração para ficar de manhã até de noite, para dois dias de trabalho, é desumana. Eu não me sujeitei, não me sujeitaria”.
Questionado sobre as reclamações de baixa remuneração, o Cebraspe, responsável pela aplicação da prova do Enem e pela contratação desses profissionais, disse apenas que a remuneração “depende do evento no qual o colaborador atuará, podendo variar de R$ 180 a R$ 225, sendo a participação de livre iniciativa do interessado”.
Disse ainda que oferece gratuitamente curso para formação de ledores e transcritores uma vez ao ano, formando um banco de pessoas cadastradas e habilitadas para exercer as funções, e ressalta que o certificado da formação é requisito indispensável para a contratação.
Como solicitar atendimento especializado no Enem
Para ter atendimento especializado, é necessário fazer o pedido no ato da inscrição do Enem. É preciso especificar a condição (a deficiência que motiva o pedido) e indicar o recurso de acessibilidade que necessita.
O solicitante deve comprovar as necessidades por meio de laudos médicos. O pedido é analisado pelo Inep juntamente à documentação e o resultado do recurso é divulgado pela internet página do participante.
As regras e os prazos são atualizados anualmente, juntamente ao edital do Enem. Não é mais possível solicitar recursos para 2024, mas o edital da edição deste ano pode ser consultado no Diário Oficial da União.
Pedidos de atendimento especializado em 2024
De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo Enem, em 2024 foram aprovadas 65.758 solicitações de atendimento especializado. Dessas:
29,9 mil, a maioria delas, são pessoas com déficit de atenção;
8,6 mil são pessoas com baixa visão.
Ao todo, o exame disponibilizará 115.501 recursos de acessibilidade. Entre eles estão:
42,9 mil recursos de tempo adicional (o mais pedido);
20,2 mil recursos de correção diferenciada;
16,3 mil recursos para auxílio na leitura;
11 mil recursos de auxílio para transcrição.
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